O orgulho e a ira de Juliano Guilherme




Por Miguel do Rosário
(oleododiabo.blogspot.com)


Medito sobre as telas de Juliano Guilherme e pergunto-me: qual o sentido, da arte, da vida? Qual é nossa função e destino nesse estranho universo, nesse paraíso devastado em que arrastamos artroses e paixões? Estudamos a história e as estrelas e temos a sensação de cavarmos uma grande cratera que não dá em lugar nenhum. Prosseguimos, no entanto, nos embriagando de ambição, orgulho, amor! Mais vale a paciência que o heroísmo, diz um provérbio do Velho Testamento, mas há momentos em que é preciso uma paciência heróica para escutar as vozes da alma. Elas sussurram tão baixo que mal se escuta. Em outras ocasiões, contudo, berram tão alto que nos sangram os tímpanos.

As pinturas de Juliano me remetem a questões muito antigas. Transporto-me para a bela Cartago, pouco antes de sua destruição, e contemplo as lindas estátuas e os magníficos murais; escuto os poetas declamando epopéias que se perderão para sempre na poeira das armas. Suas telas ofertam cores fortes e doloridas, como o riso possante e hipócrita de um louco. Não estamos numa sala de jantar, onde as pessoas são obrigadas a nascer e a morrer; ou estamos numa sala de jantar, mortos, e vivos, alternadamente, felizes, nervosos, como alguém prestes a confessar um amor violento e impossível. Qual o sentido, carajo? Por que, enfim, Deus teria nos expulsado do Paraíso se nós, obviamente, nunca desejamos aquela vida fácil, aquela vida chata?

Algum blasfemo valentão teria coragem de afirmar que entre Adão e Eva existe um Deus vaidoso e autoritário, que não pretendia deixá-los desfrutar o melhor de tudo: as delícias e angústias do conhecimento? Talvez seja isso, o desejo (inconsciente) de confrontar Deus, o fundamento metafísico da obra de Juliano. Ou melhor, confrontar uma força ainda maior que Deus: a mediocridade, que se esconde sob trajes pós-modernos, e publica cartinhas retrógradas no jornal. Ali, em suas pinturas, as formas se debatem, entre o clássico e o futuro; feridas e cores sanguinolentas esparramadas no chão do Paraíso, no que achávamos ser o Paraíso, mas que não passa de um horizonte sem sol ou estrelas – apenas uma linha tênue, triste, entre a loucura e a glória.

A solidão, enfim, e as lasanhas congeladas. Os personagens de Juliano nos encaram com cinismo e indiferença, como ursos selvagens. Desgraçados, sem esperança de remissão, mas que não bocejam. São brasileiros, somos brasileiros, frequentando os botequins que salvaremos da falência, com nosso entusiasmo, nossa ira, nossa corrupção, nossa morte! A arte de Juliano Guilherme, amoral e suja, romântica e erudita, nos fala, portanto, de civilizações maduras e livres, como no poema de Anacreonte: “mostrarei que um velho, em meio à sociedade, sabe beber e delirar, cheio de graça!”