1º LEILÃO DE ARTE CONTEMPORÂNEA.

Art2-DIMINUIDO


7 de novembro, sábado, 17ho.

O orgulho e a ira de Juliano Guilherme




Por Miguel do Rosário
(oleododiabo.blogspot.com)


Medito sobre as telas de Juliano Guilherme e pergunto-me: qual o sentido, da arte, da vida? Qual é nossa função e destino nesse estranho universo, nesse paraíso devastado em que arrastamos artroses e paixões? Estudamos a história e as estrelas e temos a sensação de cavarmos uma grande cratera que não dá em lugar nenhum. Prosseguimos, no entanto, nos embriagando de ambição, orgulho, amor! Mais vale a paciência que o heroísmo, diz um provérbio do Velho Testamento, mas há momentos em que é preciso uma paciência heróica para escutar as vozes da alma. Elas sussurram tão baixo que mal se escuta. Em outras ocasiões, contudo, berram tão alto que nos sangram os tímpanos.

As pinturas de Juliano me remetem a questões muito antigas. Transporto-me para a bela Cartago, pouco antes de sua destruição, e contemplo as lindas estátuas e os magníficos murais; escuto os poetas declamando epopéias que se perderão para sempre na poeira das armas. Suas telas ofertam cores fortes e doloridas, como o riso possante e hipócrita de um louco. Não estamos numa sala de jantar, onde as pessoas são obrigadas a nascer e a morrer; ou estamos numa sala de jantar, mortos, e vivos, alternadamente, felizes, nervosos, como alguém prestes a confessar um amor violento e impossível. Qual o sentido, carajo? Por que, enfim, Deus teria nos expulsado do Paraíso se nós, obviamente, nunca desejamos aquela vida fácil, aquela vida chata?

Algum blasfemo valentão teria coragem de afirmar que entre Adão e Eva existe um Deus vaidoso e autoritário, que não pretendia deixá-los desfrutar o melhor de tudo: as delícias e angústias do conhecimento? Talvez seja isso, o desejo (inconsciente) de confrontar Deus, o fundamento metafísico da obra de Juliano. Ou melhor, confrontar uma força ainda maior que Deus: a mediocridade, que se esconde sob trajes pós-modernos, e publica cartinhas retrógradas no jornal. Ali, em suas pinturas, as formas se debatem, entre o clássico e o futuro; feridas e cores sanguinolentas esparramadas no chão do Paraíso, no que achávamos ser o Paraíso, mas que não passa de um horizonte sem sol ou estrelas – apenas uma linha tênue, triste, entre a loucura e a glória.

A solidão, enfim, e as lasanhas congeladas. Os personagens de Juliano nos encaram com cinismo e indiferença, como ursos selvagens. Desgraçados, sem esperança de remissão, mas que não bocejam. São brasileiros, somos brasileiros, frequentando os botequins que salvaremos da falência, com nosso entusiasmo, nossa ira, nossa corrupção, nossa morte! A arte de Juliano Guilherme, amoral e suja, romântica e erudita, nos fala, portanto, de civilizações maduras e livres, como no poema de Anacreonte: “mostrarei que um velho, em meio à sociedade, sabe beber e delirar, cheio de graça!”

Exposição "Olho de boi" - texto do curador

O pequeno grande mundo da pintura ou o infinito num grão de areia.



Risco branco cortando o céu azul, borboleta negra numa flor vermelha, asfalto borrado de sangue, cor da pele, sol que brilha num verão colorido, chuva, névoa, perspectiva e sombras, escombros sentimentais povoando o inconsciente numa certeza quase incerta que um dia duas paralelas vão se encontrar no infinito. Fé, desejo e tesão. Olhar para cima e decifrar a matéria, CLARABOIA desenhada por Deus, num desesperado ato de criação que deu ao homem a possibilidade do sagrado: Arte e Ciência.

Penso no momento numa exposição chamada OLHO DE BOI, no atelier coletivo com 6 artistas. O espaço fica no centro do Rio de Janeiro, Lapa, lugar cheio de tradições, que nos remete a uma forte atmosfera do imaginário urbano carioca. OLHO DE BOI (título) lida com esse imaginário. Semente sagrada carregada de misticismo e beleza usada em rituais religiosos ou como elemento de adorno e que nos protege. O que ela vê? ALEXANDRE, CECÍLIA, EDSON, JEAN, JULIANO e SANDRA. Organizações pictóricas, sujeito e objeto.



Alexandre, com os seus quase desenhos, quase pinturas; posição contemporânea que não se quer deixar domar por virtuosismos. Detentor de um poderoso desenho, vindo da xilogravura, discípulo de Adir Botelho, prefere a incerteza, o caminho e não a chegada. Ética própria na construção de um mundo mais digno e povoado de poesia.



Juliano, onde a pintura se mostra mais visceralmente. Como pintor num sonho de criança ou a destreza dos anciões. Às vezes fico vendo Juliano dando um beijo em Fernando Diniz, fazendo trancinhas em Basquiat, sentado num belo sofá florido com Vitor Arruda, os dois de pernas cruzadas. Quais os grandes pintores da humanidade? História da arte que se faz presente, num ambiente absolutamente próprio, onde o respeito à pratica a que se propõe (pintar) não se deixa levar por falsos dogmas do tempo.



Jean se aproxima de um imaginário repleto de delicadeza e romantismo, suas flores já estão prontas, pertencem a todos. Como serem minhas e de todos? Disso o artista fala, repartir o pão e o vinho, distribuir emoções, afagos. Suas pequenas, trágicas e serenas pinturas são como Haikais. Elo entre a simplicidade e a felicidade repartida.



Edson lida de forma intensa com a matéria-natureza. Como sangue que corre nas veias, rumos d'agua que cortam os solos. Apesar de seu colorido baixo, seus planos recortados, meio geometria, meio organismo; seus trabalhos possuem um rítmo próprio de carnavais que fazem uma ponte visual entre suas pinturas e o ambiente em que vive e trabalha.



Sandra investiga o feminino, não o gênero, mas a carne. Suas experiências anteriores, corações, novelos, fios, casulos, ambientes mágicos, como ver a luz na hora do parto. Organismo vivo dentro da grande roda do tempo. O trabalho apresentado, apesar dos elementos decorativos como os arabescos ou o colorido alegre como um quarto de menina, ainda traz em sua essência esse sangue que pulsa e é visível à alma de todos nós.



Cecília, "pintei de azul o presente, e de branco pintei o futuro". Acabei de ouvir isso numa música. Talvez misticismo, talvez colorido, talvez você. Tempestade calma, transparências, rigor e maciez. O par de telas apresentadas pela artista, formando um através de dois (díptico), é como uma aliança entre o acaso e o previsto. Suas matérias são carregadas de memórias passadas e memórias futuras. O mundo num grão de areia.





EDMILSON NUNES – Itaipuaçu, 2009